segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Síncope

Por Viveca Santana

O avô dela estava morrendo e ela só queria dar o coração dela pra ele. De vez.
Daria o coração que não servia mais nela, para alguém que passasse na rua, para o porteiro do prédio, para uma amiga, para a vendedora da loja de livros, qualquer um.
Ele não batia mais faz tempo, doía no peito, não deixava ela mais respirar. Não queria mais ela.
O ar entrava difícil, saía difícil, doía nas sístoles e diástoles teimosas.
Tossía compulsivamente quando pensava que ele não pudesse suportar um arfar mais profundo.
Ela tentou pegar ele, quebrar em pedacinhos, mas pensou em doar pra alguém que quisesse, que precisasse mais que ela, já que machucavam as feridas abertas, latejando.
Mas e se ele não servia mais ali naquele espaço vazio?
Não adiantava bater no peito como antes, tentar ouví-lo com o estetoscópio; o médico não escutaria mais ele e ela tinha vergonha disso.
Agora estava coberto de manchas roxas por todo lado, calejado, fechado pro mundo.
Tinha pena até de quem pegasse ele pra si, talvez nem batesse mais, não sentisse o calor dos abraços, a graça de um beijo, a diferença de um sorriso.
O tic tac dele era coisa da cabeça dela, acostumada com as batidas antigas, tornaram-se chatas até. Enjoavam ela.
Mas como foi que ele parou de bater? Não cuidou dele direito? Não deu o suspiro que deveria dar nas horas óbvias? Foram aquelas punhaladas que recebeu no peito?
Será que valia a pena trocar por outro ou viver a vida oca que nem árvore sem vida?


Para ler ouvindo :
http://br.youtube.com/watch?v=N-mqhkuOF7s

4 comentários:

Laert disse...

Muito legal.
Quando vamos conversar sobre leituras e música?

Anônimo disse...

belíssimo.

ana disse...

obrigada!

Eder Galindo disse...

viveca,

ainda bem que o meu está batendo mais do que os tambores da timbalada, olodum, monobloco e nação zubi juntos.
toda vez que a pulsação diminui, o alerta grita no meu ouvido para eu tomar logo uma atitude.
outra coisa: que som é esse? caralho! pirei!

beijo!