segunda-feira, 18 de junho de 2007

Por não estarem distraídos

Clarice Lispector

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Essa dor não passa?

Por Viveca Santana

Seus pulsos incomodavam
era doído o tremor do seu corpo
refletida em parte das suas mãos
num azul e vermelho que se dividia
em veias longas que dava para ver se quisesse
a vida incomodava às vezes
cansava intensamente o acordar e ver as mesmas cores
ouvir bom dias uníssonos
a solidez da solidão

Seus olhos cansavam
teria que ter por toda a sua vida os tais olhos de ressaca
as noites perdidas
o torpor dos devaneios que a puxavam pelo braço até quando não queria?
seu brilho perdia-se a cada espasmo ressentido da vida
imaginava novamente acordar e viver tudo isso de novo
os tremores, os medos, as despedidas, a importância que lhe davam, os elogios que preferia não ouvir
e a fraqueza aumentava contínua
Tentava abraçar seu corpo sozinha, fechar os dedos sobre si
mas não conseguia se proteger
flutuava e tocava os pés no chão.