domingo, 25 de outubro de 2009

Vazio

Por Viveca Santana


Por dentro um vazio cerrado, as cortinas entreabertas com uma cor de carne exposta. Respirando, o vazio saia em partes, abafado e com um som de assovio, saía e voltava a ser vazio lá dentro, não tinha dor, não tinha amor, não tinha nada.
O teto que olhava com as mãos sobrepostas no peito, ainda era descascado e sem a tinta que ela já devia ter providenciado faz tempo: tinha mofo e algumas formigas seguindo seu caminho infinito.
A casa era rarefeita com o ar que ela soprava todas as tardes e, suspensa naquele calor escaldante dela e do quarto, ouvia os barulhinhos de si como cigarras interrompidas.
O coração batia mais forte, a respiração empurrava o corpo tenso, afundava comprimindo a barriga magra.
O silêncio persistia, repetido, como se juntasse cacos espalhados e enchesse suas mãos, que antes só guardavam lembranças e retalhos dos outros.
Tinha que entender a desordem, endireitar os cabelos, espantar as cigarras pro sol. Andar pra longe que nem as formigas.
Pensou em como suportou a felicidade sem doer e como conseguiria arrebatar a tristeza encravada em sua pupila. A força do tempo já a empurrava depressa pros 30.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Pensamentos de ordem patológica


Caixas de tarja preta, lenços embrulhados ao lado da cama, sonhos encarcerados, guilhotinados embaixo dos travesseiros, lembranças esgarçadas aos montes entre suspiros, vícios, rabiscos de cadernos, gosto de lágrima quando passo a ponta da língua em volta dos lábios, aquele cheiro de mofo de quem ficou dias presa em casa, mão no peito, mão no rosto, unhas desfeitas, refluxo, estômago dolorido das ressacas, o corpo moído da idade que vem cavalgando atrás de mim, eu ainda de camisola, esperando a vida passar por perto.


foto: Vinicius Xavier