sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Viver fora

Por Viveca Santana

Viver em outro país é como renascer. Um renascer a fórceps, brusco e violento.
É acordar em solo novo e ter que reaprender coisas dos tempos de criança - a falar, a conviver com as pessoas, perceber a quantidade de coisas novas que surgem a cada dia, e que te fazem enxergar a vida de uma outra maneira.
É se adaptar a um idioma novo, aos novos limites que não são os nossos, mas que temos que respeitar e assustam, diante das diferenças de tudo o que se aprendeu deste o colo da mãe.
É saber que seu coração é um navegante sem volta, mesmo que um dia você retorne.
Viver em outro país no início, é querer sair todos os dias com a câmera na mochila, fotografando as imagens que olhos não estavam acostumados a ver, andar desatento com a visão perdida no céu, viver deslumbrado com a imensidão do mundo, admirar-se e sempre comparar o que se tem de melhor e o que falta no nosso lar.
Viver fora é se aventurar, é se acostumar com a saudade e é ver as lágrimas dos primeiros dias de chegada, secarem. E isso é para poucos - é para quem quer ser levado pelo tempo, de carona. Pra quem tem coração valente.
É se fascinar a cada esquina, é querer experimentar, se adaptar, entender, envolver-se com uma nova história, com uma nova cultura, viver um recomeço. É ter coração livre, que nem de passarinho.
Viver fora, usando metáforas simples, é cair num buraco escuro, sem medo e sem saber o que tem lá no fundo.
É aterrissar em um universo paralelo onde costumes aceitáveis a nossa cultura, como tocar o corpo do outro (num ato de cumplicidade e de afeto) ou de ser aberto aos novos amigos, se tornam excessos dispensáveis em nossa nova casa. É perceber o quanto se pode mudar e isso não tem fim, basta querer.
É como despertar após uma cirurgia de miopia e voltar a ver o contorno das coisas, as cores, as formas, descobrir dimensões que antes estavam impedidas de enxergar, talvez por conta da rotina de casa, pela falta de sensibilidade que adoece a alma de quem não sai do ninho e teme em sair da sua rotina e mudar seu destino, entregando ele a sorte.
Viver longe é sentir a palavra saudade viva diariamente: saudade da comida de casa, do perfume da mãe, das manias do pai, do abraço dos amigos - dos amigos que a gente escolhe e que são propriedade do nosso coração aonde formos - e que nos acompanham no skype, no msn, no facebook, em cartas e postais, no nosso pensamento. É estar preocupado constantemente com os seus, que estão a um oceano de distância e ver que muitas situações especiais são assistidas de longe, mas com o mesmo afeto, curiosidade, amor e ternura.
É às vezes conviver com a solidão e não morrer por isso e sim se fortalecer.
É sentir falta de coisas simples, como o seu travesseiro, o seu cachorro te acordando cedinho, dormir no sofá da sala com a TV ligada na sessão da tarde, de ouvir seu idioma e seu sotaque, do pão com manteiga que só sua mãe faz, de poder ligar pra um amigo a hora que for.
Mas viver fora tem a alegria do crescimento, da renovação e do amadurecimento diário. É novamente despertar e ver o quanto você mudou, o quanto está melhor e ver que dentro de você tem uma paz infinita só sua e que seu ninho vai continuar do mesmo jeito que você deixou, com a mesma acolhida e calor.
E esse ninho agora tem franquia: está dentro de você.

Para ler ouvindo: Nantes, do Beirut.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

"quando abrir a porta e assomar à escada, saberei que lá embaixo começa a rua; não a norma já aceita, não as coisas já conhecidas, não o hotel em frente; a rua, a floresta viva onde cada instante pode jogar-se em cima de mim como uma magnólia, onde os rostos vão nascer quando eu os olhar, quando avançar mais um pouco, quando me arrebentar todo com os cotovelos e as pestanas e as unhas contra a porta do tijolo de cristal, e arriscar minha vida enquanto avanço passo a passo para ir comprar o jornal na esquina".

Manual de instruções, Cortázar

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Onde encontrar a confiança e a segurança que impregnavam meu corpo quando eu habitava a linha do Equador?