segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Abandono

Por Viveca Santana

Perdeu o dom da melancolia em algum dia frio de janeiro, ou do inverno que marcava a sua pele quente.
Perdeu em cima de alguma mesa de café, em alguma estação de metrô ou embrulhado em um papel que não servia mais e persistia na mochila, enclausurado.Resolveu finalmente desfazer-se do dó de si, apartar coisas que não tinham importância na sua atual vida, sem penar. Foram pro lixo as coisas alheias a sua razão de viver e que machucavam, como corte com faca amolada e íam marcando seu coração com cicatrizes que não secavam, que magoavam a cada decepção.
Apartou-a sem pena.
Quando deu de ombros pra melancolia, foi como se ela tirasse os pés daquela superfície pendente de equilibrista. Resolveu se aprumar, seguir em frente sem o medo de sofrer e de se decepcionar. Sentiu um alívio alucinante.
Percebeu que era o momento de se desfazer, de jogar fora tudo o que impedisse o encontro com sua paz. Finalmente andava descalça no chão duro, frio e de concreto e não mais em nuvens e sonhos que se perdiam no horizonte e a impediam de seguir adiante. Essas mesmas nuvens a protegiam do mundo real.
Perdeu finalmente o medo de caminhar, perdeu o lamento, o desencanto e resolveu seguir seu caminho sem apoiar-se no ombro de alguém ou desejar o calor humano, como um campo de força viciante. Não precisava mais de tapinhas na costas para não hesitar.
O mundo definitivamente não era como ela queria que fosse.
Foi buscar sua felicidade em si mesma, dedicando-se mais a não esconder-se, a lançar-se no amanhã como algo que só dependia de suas ganas de viver.
E assim ela foi atrás do que lhe é de direito, do que ela sabia que estava por vir sem dó, sem lamento.