domingo, 30 de março de 2008

Cacos

Por Viveca Santana

Era como um vidrinho desses que tinha reconhecido na casa da avó.
Daqueles que ficam na estante mais alta, para os pequenos não se aventurarem a pegar.
Todos que chegavam naquela casa elogiavam o vidrinho, como era bonito de olhar ele, lá em cima, tão longe das mãos, difícil de tocar.
Ninguém podia dizer uma palavra inconveniente, um desatino, um defeito, um erro dele – o tal vidrinho ía rachando, rachando.
Já estava bem trincado nos tantos anos de existência, cansado de não ter a atenção que merecia, lá em cima na estante. Só sendo elogiado de longe.
Mas era um cristal tão colorido e cheio de prismas que ninguém nunca percebia o quanto estava frágil, perto de partir pra sempre. As pessoas também não se importavam com isso, se quebrasse, era só trocar por outro mais bonito, talvez um daqueles que avistaram numa loja nova, com promessas de quebrar dificilmente e também mais novo aos olhos.
De certo, ninguém pararia no tempo para colar os caquinhos do vidro.
Não ficaria bonito como antes.
Havia muita coisa para se fazer, muitas responsabilidades mais importantes.
Tornava-se mais fácil juntar os caquinhos coloridos pra longe e jogar fora. Viver mais tranquilamente sem a possibilidade de cortar os pés ou de tê-los incomodando os olhos.
E a vida seguia adiante, com um novo cristal lá na estante, novo e mais bonito, talvez.

6 comentários:

Anônimo disse...

o bom é que, as vezes, alguem acha um caquinho desses e acha que é um cristal novo, coloca vc numa estante menorzinha, te acha bonito... e vc fica lá até trincar de novo

Anônimo disse...

: )

Anônimo disse...

“Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro…há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu…Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma”
Clarice

Anônimo disse...

Eu sei muito bem como você se sente. Eu passei a minha vida toda assim. Eu sou assim. E não há nada que eu possa fazer para mudar isso.

Hoje sou admirado na tv...e não em cima da estante.

Christiana Fausto disse...

Menina! Isto aqui está virando um "point" de celebridades, é? Clarice, Caco... rs. Muito lindo o q escreveu, vi, saiba q eu adoro colar caquinhos, se precisar... Beijão, c.

Emmanuelle Kant disse...

Xará, não tô conseguindo colar o link, ou melhor, colo mas não aparece aqui, não sei porque.
Por isso, jogue no google: "Caio Fernando Abreu Transformações (uma fábula)".

:O*