quarta-feira, 24 de junho de 2009

Cautela

"Se não te cuidares o corpo
Cuida teu espírito torto
Que teu corpo jaz perfeito

Se não te cuidares o peito
Cuida teu olho absurdo
Que teu peito tomba morto
Diante de tudo

Se não te cuidares, cuidado
Com as armadilhas do ar
Qualquer solto som pode dar tudo errado"

Paulo Cesar Pinheiro

sábado, 13 de junho de 2009

"Tenho pensado se não guardarei indisfarçáveis remendos das muitas quedas, dos muitos toques, embora sempre os tenha evitado aprendi que minhas delicadezas nem sempre são suficientes para despertar a suavidade alheia, e mesmo assim insisto - meus gestos e palavras são magrinhos como eu, e tão morenos que, esboçados à sombra, mal se destacam do escuro, quase imperceptível me movo, meus passos são inaudíveis feito pisasse sempre sobre tapetes, impressentida, mãos tão leves que uma carícia minha, se porventura a fizesse, seria mais branda que a brisa da tardezinha."

sábado, 6 de junho de 2009

Lula e suas comparações fantásticas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta terça-feira, que um país que pode achar petróleo a 6.000 metros de profundidade, pode achar uma caixa-preta de 40 cm a 2.000 metros.

domingo, 31 de maio de 2009

"Vai passar, tu sabes que vai passar.
Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez".
Caio Fernando Abreu

domingo, 24 de maio de 2009

A caverna e o mito

Por Moca e Viveca Santana

Imaginava que o quarto era uma caverna e ele parte do mito de Platão.
Não um teorema, algo que houvesse explicação lógica, via-se agora personagem da Alegoria da Caverna, em meio a embriaguez.
Tinha alguns balões no teto, entre algumas estalactites, daqueles que se compra em banquinhas com palhaços vendendo em volta de parques itinerantes.
Sérgio Sampaio era o que escorregava do rádio àquela hora, "Conveniente", ele diria. Os olhos doíam em meio à escuridão, de vez em quando um flash descontrolado de luz os fazia doer e ele levava as mãos ao rosto, esfregava com força, se via tentado a um sorriso incoerente, nele vinha de graça, uma interrogação rápida.
Bom, nada mais lógico.
Em volta, as mesmas garrafas de vodka barata, os mesmos maços de cigarro espalhados pelo chão, o gosto cortante de fel nos lábios - ambiente impregnado das ressacas que colocavam pra fora com força, as dores e temores que o perseguiam. A rádio agora tocava qualquer coisa sem importância e as mãos tocavam o chão, sentia-se vivo, mas enterrado numa caverna funda, escura. Sem conseguir se reerguer, entregou-se ao fardo da cama. Tudo agora era uma metáfora da caverna, a mesma que ele havia se fechado com uma pedra grande e imóvel na entrada.
Lutou mais uma vez para abrir os olhos cegos pela falta do sol, atrofiados desde que descobriu os próprios defeitos (por um triz não tornou deles, motivos para escorrer para o fundo e ficar imerso e terminando por ensurdecer para os sons cotidianos).
A culpa era dela. Ela o aprisionou naquele lugar.
Alice virou o rosto e seguiu seu caminho de balões de banquinhas, sem o frio das estalactites, ávida pela luz das futilidades. Levou consigo a chave, o jeito de sair das sombras, a liberdade dele e muitas outras coisas que não lembrava agora, mas que certamente eram culpa dela.
Calado na caverna - escura, silenciosa, segura, mórbida, lá estava ele, sem muitos metros quadrados para sobreviver, o ar adocicado da vodka nauseava, as estalactites lá em cima, afiadas ao seu encontro, ele de costas pra entrada, forçado a olhar pro teto.
O que vinha de fora, ainda era latente desejo, orgia intensa no corpo, lembrança dela que fazia parte de cada osso, de cada músculo, das vértices do quarto; o cheiro forte do perfume de Alice ainda estava em cada transpiração soprada naquela escuridão, fazia parte da tortura imposta por ela.
A caverna escura tinha partes do corpo da mulher fossilizada nas paredes: das coxas, do sexo, dos fios de cabelo, partes dos lábios e do pescoço - pedaço que se pudesse mutilaria e guardaria para ele. Por que não havia pensado nisso?
Ele estava encarcerado para sempre às lembranças - raios quentes que coravam e ardiam passando como chicotes pelo seu corpo magro, enfraquecido das tolices que haviam dito dias antes e arruinado pra sempre o amor que seria pra sempre, se realmente fosse.
O quarto era uma caverna e ele era sim, um homem-sombra do mito de Platão, pensou.
Ele morreria ali (era questão de tempo). O mito que se descrevia podem esquecer, ele não lembrava mais.

* Para ler ouvindo Kashmir, Led Zeppelin

sexta-feira, 15 de maio de 2009

"Tateio, tateias, tateia. Ou tateamos, eu e tu, enquanto ele se movimenta sem dificuldade entre as coisas? Sei pouco de ti, apenas suspeito da tua existência desde quando descobri que nem eu nem ele éramos os donos de certas palavras. Como se tivesse percebido um espaço em branco entre ele e eu e assim - por exclusão, por intuição, por invenção - te adivinhasse dono desse espaço entre a luz dele e o escuro de mim. Tateias, também? De ti, quase não sei. Mas equilibras o que entre ele e eu é pura sombra.
Estou me afastando, estou indo embora e preciso que me entendas antes que eu vá, crucificado na parte externa do vagão de um trem em alta velocidade. Tento devagar, mais claro: ele não se afasta. Dia após dia, eu noto, torna-se mais simpático, mais eficiente, mais solícito - para utilizar palavras que não sei bem o que significam, mas imagino sempre alguém sorrindo muito, fazendo reverências, curvando constantemente a cabeça, como uma gueixa. Gueixa, ele, a grande puta, com seu silêncio de passinhos miúdos e pés amarrados. Preciso tentar certa ordem no que digo, e dizer de novo, vê se me entendes: ele não se afasta, mas é dentro dele que eu me afasto.
Dentro dele, eu espio o de fora de nós. E não me atrevo.
O que vejo nos outros, com seus grandes poros abertos, são caras demasiado vivas. As caras de fora se debruçam sobre ele e eu tenho medo, eu nunca poderia olhar de frente para todos aqueles olhos boiando na superfície branco-gelatinosa, raiada de veiazinhas vermelhas, e eu sinto nojo. Não dos olhos, mas do interior das caras que transparece nas veiazinhas. Também não são as bocas, mas os gosmosos vermelhuscos de dentro, quando se abrem demasiado. Os inúmeros pontinhos pretos dos narizes, às vezes subindo para a testa, entre as sobrancelhas, o interior rosado dos narizes, as goelas abertas com suas umidades móveis ao fundo, cheias de pequenos espasmos, miúdas convulsões. Quando as grandes caras vivas se debruçam, sinto que transpareço nas veiazinhas dos olhos deles, e tenho medo que apenas um piscar me lance para fora, entre as coisas pontudas.
E quando ele abre sua boca movediça para escarrar palavras, gotas de saliva e mau hálito, tenho medo de ele ser essa palavra, essa gota, esse hálito. O mesmo de quando esfrega as palmas das mãos e solta no ar os feixes de energia, como se fosse uma vibração, não um ser.
Sempre posso parar, olhar além da janela. Mas do interior do trem, nunca é fixa a paisagem.

..
E quase não temos tempo."

Morangos Mofados, Caio Fernando Abreu.

domingo, 26 de abril de 2009

Ninguém merecia Laura

Por Viveca Santana

Ninguém merecia Laura.
Nem a vida, nem as flores, nem a música que ouvia repetidas vezes e serviam de trilha para abraços no travesseiro.
Muito menos seus amores.
Suas manias enjaulavam no seu mundo próprio, as unhas roídas denotavam as fraquezas e perdas que ela esperava camuflar, as cicatrizes a levavam pra onde fosse, pelo que queria dizer e não disse.
Amava excessivamente à todos, peito dolorido, cheio de hematomas por isso.
A amargura que brotava de seus lábios tinham o gosto da ausência e da hostilidade de alguns, que ela queria que fizesse parte do seu caminho, ou a merecessem num encontro de poucas horas.
Incansavelmente, Laura tentou amar a todos como a si mesma, quis se desfazer do destino, fazer os encontros acontecerem, mesmo que não dependessem dela. E se decepcionava.
A ansiedade-das-unhas-roídas demonstravam a sede de amar de Laura - e ela mais uma vez não quis que a decepção a abraçasse tão amigavelmente como estava acontecendo.
A vida seguia adiante, trancou-se para os que não permitiam seus jeitos agudos - talvez se sentisse menos irreal se resolvesse cruzar a rua sorrindo, pensou.
A idéia de que conspiravam para que ela jogasse todo aquele amor em algum jardim que ela gostava, aquele amor (ela sabia) que era demais para depositar em alguém, corria pelos seus pensamentos, sopravam nos seus ouvidos, viravam soluços.
Lembrou da infância quando elevava os sentidos e sentimentos aos extremos, pensava muito em si e punha prazer ardoroso à satisfação em ver alguém, quando oferecia um regalo, ou quando ouvia que doariam seus sonhos à sua presença.
Prazer para Laura era prender à todos perto dela como se o ato de respirar dependesse disso.
Na juventude, costumava esquecer dos amores depois de sofrer, latejar e reerguer, tão rápido, para começar um novo, mais de acordo às suas vaidades e histerias.
Os que não mereciam Laura tinham pena dela, aproveitavam - se de sua bondade e do seu afeto pelo mundo, seguravam sua mão, enchiam ela de carinhos, depois abandonavam ela lá sozinha, com palavras prontas aos montes, promessas e planos para começar a desistir.
A moça inacessível, sem a obviedade das mulheres comuns que atraíam pela feminilidade e pela possibilidade de controle dos cavalheiros, fez-se desfeita dos balangandãs, que obstinavam a beleza, tornou-se morta ao sacrifício do convívio e viveu sozinha até os 40 anos.
Laura sabia que tinha valores que quase ninguém compartilhava: a vontade de doar sem medo de se perder, a doçura de ser o que era, mesmo que isso fosse ridículo e se aturava assim mesmo. Repetiu isso para si muitas vezes, para compensar sua dor, mas o abismo se abria na frente dela, atraente. Ainda teve tempo de procurar algo bom na solidão que a acompanhava.

Porém, nem ela merecia o cerco que fez em si mesma, então aos 40, calou seus pensamentos e cansou de se merecer.
O abismo foi o único que se abriu pra ela.