quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Dor de nada.

Por Viveca Santana


Era cansativo viver os dias que não eram como queria viver. Estes dias seguiam sem vontade, as cores não tinham graça e os costumes de muitos não eram os seus.
O Natal era algo triste (nunca foi do jeito que queria que fosse: quieto, insone, sem a alegria desmedida e guardada por um punhado de dias). Geralmente tentava se recolher em algum lugar - copo entre as mãos, olhos nervosos, sons difusos bem longe, desejo de não estar ali e a mesma vontade de chorar de sempre, polida com a solidão ébria das noites sem sono.
Percebia todos os anos como gostava do sofrimento puro, como aquele sentimento a trazia prazer. Na mesma semana, chorou perdidamente ao ver um filme, as lágrimas secas e guardadas há tempos, saiam desejosas por seu suspiro doce e de alívio.
É, procurava pôr aquela dor toda pra fora, escondida e incondicional como sentia, com uma música, com um verso, com um sorriso que trocou com alguém desconhecido.

A solidão confortava mais do que a felicidade, que podia acabar a qualquer momento (ou que podiam tirar dela sem aviso).
A dor era sua, só sua.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Interpol

Mais uma tentativa de sair do marasmo baiano e ver um show de uma banda que dá vício. Perdi The Police, Coldplay, Pearl Jam - parece que me boicotaram de tanto que falei que queria ver.
Em março tem Interpol, no Via Funchal - banda muito boa, que não consigo parar de ouvir ultimamente.
Para os que não conhecem:

http://www.youtube.com/watch?v=RNtGYdm2rOY

http://www.youtube.com/watch?v=fy6-s_jJJ0w

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Inutilidade

Clarice Lispector

Quando fazemos tudo para que nos ame e não conseguimos, resta-nos um último recurso, não fazer mais nada. Por isto digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não façamos esforços inúteis, pois o amor nasce ou não espontaneamente, mas nunca por força da imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais nada se consegue; outras vezes, nada damos, e o amor se rende a nossos pés. Sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido.
Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer.
Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho…o de nada mais fazer.
** O texto é um dos meus preferidos dela, nada a ver com momento, como alguns podem pensar.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Carne trêmula

Por Viveca Santana
Os dois viviam brigando, numa raiva tremenda que nem eles mesmos entendiam. Era o convívio do corte, do açoite, do medo e do desejo incompreendido.
Ao mesmo tempo sentiam uma carinho grande um pelo outro e se divertiam com as brigas, que alimentavam o ego exacerbado dos dois.
Dia desses, discutiram com uma voracidade de alma, deixaram a compostura, ficaram sem ouvir a voz um do outro, ou de escreverem as cartinhas capsciosas de amantes mortais. Talvez se namorassem se matariam e estariam em páginas dos jornais que estampavam crimes, essa era a diversão mórbida que cultivavam - se vivessem naturalmente não teriam a graça da dor diária.
Parecia um amor bandido, ela acreditava, mas gostava dessa loucura demasiada - não podiam se envolver e a possibilidade de viverem juntos, pelo menos um dia, perdia o gosto de fazer algo errado, escondido, de mentir para alguém.
Ela entendia a loucura disso tudo, mas não queria entender tudo, com a razão exigida por seu lado humano. A delícia da loucura do lado animal contava mais pontos, certamente.
Era a história que na verdade todos os casais viviam, mas omitiam para se fazer parecer que eram normais.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Nota

Os dias estão bem felizes. Não sei nem se é a hora de mostrar pra todos essa alegria toda, mas reflete no rosto, na maneira de enxergar as coisas.
O tempo passa mais rápido e até quando teima em passar devagar, torna-se prazeroso.
É a tal história de se fazer o que gosta, e só.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

E o seu nível de corrupção, como vai?

Millôr Fernandes

Dizem por ai que todo homem tem seu preço. Há quem vá mais longe afirmando que alguns homens são vendidos a preço de banana. Sempre esperei, na vida, o dia da Grande Corrupção, e confesso, decepcionado, que ele nunca veio. A mim só me oferecem causas meritórias, oportunidades de sacrifício, salvações da Pátria ou pura e frontalmente a hedionda tarefa de lutar.. . contra a corrupção. Enquanto eu procuro desesperadamente uma oportunidade, as pessoas e entidades agem comigo de tal forma que às vezes chego a duvidar de que a corrupção exista. Mas, falar em corrupção, como anda a sua? Vendendo saúde ou combalida e atrofiada como a minha? Responda com muito cuidado às perguntas abaixo e depois conclua sobre sua própria personalidade: você é um corrupto total ou um idiota completo? (Não há meio-termo.) Conte 10 pontos para cada resposta certa (você é quem decide qual é a certa) e verifique depois o grau de sua corruptibilidade. Nota: Se você roubar neste teste, é porque sua corrupção é mesmo absolutamente incorruptível.
A) Você descobre que o chefe do seu departamento está com um caso complicado com a secretária do outro chefe em frente. Você: 1) Finge que não viu nada. 2) Diz à secretária que ou também está, nessa ou vai botar a boca no mundo. 3) Oferece o seu sítio ao chefe pra ele passar o fim de semana. 4) Bota a boca no mundo. 5) Insinua ao chefe que há a perigosa hipótese de a mulher dele vir a saber (e enquanto isso põe a promoção embaixo do nariz dele pra ele assinar).
B) Você acha que a Lei e a Ordem é uma mística social maravilhosa para: 1) Impor a lei e a ordem. 2) Acabar com a grita dos descontentes. 3) Grandes oportunidades de ganhar algum por fora. 4) Dividir o bolo entre os íntimos sem ninguém de fora piar.
C) A primeira vez em que você ouviu falar do escândalo de Watergate você disse: 1) Isso é que é país! 2) Como é que o governo americano permite uma imprensa dessas? Isso desmoraliza um país! 3) Eu não compraria um carro usado desse Nixon. 4) Isso jamais aconteceria entre nós. 5) Quanto terão levado esses caras pra se arriscarem dessa maneira?
D) Você, como representante oficial da fiscalização, comparece à apresentação de contas, em dinheiro, no Instituto dos Cegos. Fica surpreendido com o alto volume das arrecadações e em certo momento: 1 ) Diz : "Estou surpreendido com a miserabilidade dos donativos". E tenta enrustir algum. 2) Diz: "Como representante do fisco sou obrigado a reter 30 % de tudo porque esta arrecadação é totalmente ilegal". 3) Diz: "Teria sido até uma boa arrecadação se metade das notas não fossem falsas". 4) Disfarça bem a voz e diz, entredentes: "Todos quietinhos aí, seus Homeros de uma figa: Isto é um assalto!"
E) Você dá um nota de 10 pra pagar o jornal, no jornaleiro velhinho da banca da esquina, e percebe que ele lhe deu 50 como troco. Você imediatamente: 1) Corrige o erro do velhinho? 2) Reclama chateado aproveitando a gagaíce do vendedor: "Pô, eu lhe dei uma nota de 100?" 3) Chega em casa e manda todos os seus filhos comprarem vários jornais? 4) Bota o dinheiro no bolso e fica freguês?
Conselho de amigo: Quando alguém, na rua, gritar "Pega ladrão!", finge que não é com você.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Amnésia política

Por Viveca Santana
O comentário do blog hoje é em torno da imoralidade da votação no senado, pela cassação de Renan Calheiros. A sensação que se tem, é que estamos num país sem alma, letárgico e que o povo não se envolve em absolutamente nenhuma discussão política.
Nem parece que lutamos contra a ditadura, que perdemos tantos que despareceram acreditando na verdade, na democracia. Envergonharíamos um Vladimir Herzog ou um Luís Carlos Prestes, que nos dias de hoje nem são lembrados, tamanha a falta de memória do brasileiro.
Os fatos do país viraram conversas de mesa de bar, situações corriqueiras dos noticiários da TV, piadas sem graça e parece até, que depois do voto obrigatório, somos eximidos de qualquer obrigação social, que não temos nada a ver com isso . Vejo muitos afirmarem que estão indignados, mas o que fazemos para mudar ?
Existem pessoas honestas sim na política, que se vêem sozinhas em meio a tantos coronéis da desonestidade. O que falta talvez é a voz do povo ser ouvida. Ou se fazer ouvir.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

A Viajante

Rubem Braga **
Com franqueza, não me animo a dizer que você não vá.

Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique. Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando. Assim estou eu. E não é sem melancolia que me preparo para ver você sumir na curva do rio — você que não chegou a entrar na minha vida, que não pisou na minha barranca, mas, por um instante, deu um movimento mais alegre à corrente, mais brilho às espumas e mais doçura ao murmúrio das águas. Foi um belo momento, que resultou triste, mas passou.

Apenas quero que dentro de si mesma haja, na hora de partir, uma determinação austera e suave de não esperar muito; de não pedir à viagem alegrias muito maiores que a de alguns momentos. Como este, sempre maravilhoso, em que no bojo da noite, na poltrona de um avião ou de um trem, ou no convés de um navio, a gente sente que não está deixando apenas uma cidade, mas uma parte da vida, uma pequena multidão de caras e problemas e inquietações que pareciam eternos e fatais e, de repente, somem como a nuvem que fica para trás. Esse instante de libertação é a grande recompensa do vagabundo; só mais tarde ele sente que uma pessoa é feita de muitas almas, e que várias, dele, ficaram penando na cidade abandonada. E há também instantes bons, em terra estrangeira, melhores que o das excitações e descobertas, e as súbitas visões de belezas sonhadas. São aqueles momentos mansos em que, de uma janela ou da mesa de um bar, ele vê, de repente, a cidade estranha, no palor do crepúsculo, respirar suavemente como velha amiga, e reconhece que aquele perfil de casas e chaminés já é um pouco, e docemente, coisa sua.

Mas há também, e não vale a pena esconder nem esquecer isso, aqueles momentos de solidão e de morno desespero; aquela surda saudade que não é de terra nem de gente, e é de tudo, é de um ar em que se fica mais distraído, é de um cheiro antigo de chuva na terra da infância, é de qualquer coisa esquecida e humilde - torresmo, moleque passando na bicicleta assobiando samba, goiabeira, conversa mole, peteca, qualquer bobagem.

Mas então as bobagens do estrangeiro não rimam com a gente, as ruas são hostis e as casas se fecham com egoísmo, e a alegria dos outros que passam rindo e falando alto em sua língua dói no exilado como bofetadas injustas. Há o momento em que você defronta o telefone na mesa da cabeceira e não tem com quem falar, e olha a imensa lista de nomes desconhecidos com um tédio cruel. Boa viagem, e passe bem.

Minha ternura vagabunda e inútil, que se distribui por tanto lado, acompanha, pode estar certa, você.

** Um dos meus prediletos.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Aracy

Por Viveca Santana

Aracy não gostava de gente.
Era uma daquelas mulheres cheias de amigos, dada ao convívio, mas no fundo não gostava de dividir sua presença.
Sua dificuldade era dividir e sentia-se bem em ostentar ares de palmatória do mundo.
O convívio simpático talvez tivesse ligação com sua teoria de sobreviver num universo de aceitação .
Era sofrido saber que dependia da sua simpatia, mesmo que inventada para coisas simples, como aguentar a uma fila de padaria ou a um elogio duvidoso que recebia, num desses encontros sorrateiros de shopping.
Filhos? "Não pretendo ter" - dizia dona de si, mesmo com os olhares de coitadinha que as outras do grupo lançavam.
Tremia quando via chegar pelo correio um convite de casamento ou recebia um ligação alegre de um dos muitos amigos, convidando para um batizado ou aniversário de criança.
Achava as cerimônias infortúnias, cansativas, via mentira nos convescotes e nos abraços e repetições de "parabéns".
Os tapinhas nas costas doíam na alma dela, como agulhas grandes.
Talvez não acreditasse na intensidade das coisas e na verdade dos homens. Ou era simplesmente pobre de espírito, sozinha, triste de ver.
Ria-se quando ouvia uma mulher (para ela eram os piores tipos, criaturas mais envolvidas em suas vaidades e fofocas) elogiar um vestido novo ou como havia melhorado em estirpe, uma das mais desengonçadas do grupo. Sabia que dali à meses seria personagem de críticas num próximo encontro, caso ousasse um sapato gasto.
Mas Aracy se debruçava mais ainda na sua dor quando percebia que era igual à todos.
Era tenso ver que não era melhor do que todos e as minúcias que a vida divertia-se em manter. Já beirava os trinta anos cheia de vícios e crises de uma existência jovem - a falta de paciência, sua teimosia que achava seu charme, a delícia de dividir sim, sua presença com os livros e a graça de não aceitar e receber ordens e conselhos.
Mal imaginava Aracy, que a vida era um aprendizado agridoce, cheio de verdades por aceitar, e cheia de dúvidas para sentir.

sábado, 14 de julho de 2007

Merchand

O TIM Festival deste ano promete. Depois da cogitação e finalmente desistência do Radiohead na edição passada, teremos este ano confirmados : Björk (que traz o seu "Volta" cheio de cores e o dedo do produtor da moda Timbaland), Arctic Monkeys, The Killers e Juliette & The Licks (atração interessante, que tem como vocalista a atriz Juliette Lewis).
Shows no Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Por não estarem distraídos

Clarice Lispector

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Essa dor não passa?

Por Viveca Santana

Seus pulsos incomodavam
era doído o tremor do seu corpo
refletida em parte das suas mãos
num azul e vermelho que se dividia
em veias longas que dava para ver se quisesse
a vida incomodava às vezes
cansava intensamente o acordar e ver as mesmas cores
ouvir bom dias uníssonos
a solidez da solidão

Seus olhos cansavam
teria que ter por toda a sua vida os tais olhos de ressaca
as noites perdidas
o torpor dos devaneios que a puxavam pelo braço até quando não queria?
seu brilho perdia-se a cada espasmo ressentido da vida
imaginava novamente acordar e viver tudo isso de novo
os tremores, os medos, as despedidas, a importância que lhe davam, os elogios que preferia não ouvir
e a fraqueza aumentava contínua
Tentava abraçar seu corpo sozinha, fechar os dedos sobre si
mas não conseguia se proteger
flutuava e tocava os pés no chão.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

A mulher segundo Vinicius II

Vinicius de Moraes
Pasquim vol. 1


Dê a uma mulher um dedo, e ela quer a mão; a mão e ela quer o braço; o braço e ela quer o corpo; o corpo e ela quer a alma; a alma, e ela quer que comece tudo de novo.
Em estado de amor, sua insatisfação é permanente – e a própria plenitude do ato sexual
(que só é realmente pleno no amor) é apenas a pausa que a apazigua em seu constante e antropofágico trabalho de viúva-negra, sempre a tecer sua teia de artimanhas com que melhor aprisionar o homem, para depois, lentamente, devorá-lo. E essa é ser a mais bela e trágica missão na natureza. Aparentemente mais fraca que o homem em sua disponibilidade e paciência, a mulher é realmente a longo prazo, o ser mais forte, devido a esse constante tecer de fios com que envolve o ser amado até vê-lo totalmente prisioneiro – quando, então, pode dar largas ao seu canibalismo. E para esse efeito, dispõe da mais poderosa das armas, milhões de vezes mais poderosa que qualquer arma nuclear: o sexo.
No homem, o sexo é centrífugo e intermitente. Na mulher, é centrípeta e permanente. Existe nela como conteúdo e continente; enquanto que no homem o sexo é apenas continente. Na mulher, o sexo acorda com ela, espera com ela, trabalha com ela e dorme com ela.
Ela o transporta como um semovente à sua carga, e ele se denuncia ao menor dos seus gestos, pois está ali, no centro do seu ser, para amarrar o homem, para escravizá-lo e fazê-lo , em última instância, cumprir o seu terrível destino de ser devorado.
E o mais terrível de tudo é que, se não for assim, não é como deveria ser, não é como manda a natureza.
Não há escapatória : só esse tipo de relação possui a dimensão da eternidade.
O resto é compromisso, conivência, encontro de solidões, desconversa diante da vida, sexo amigável, medo de enfrentar a fera.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Autismos.

Por Viveca Santana


Escrevia como se gritasse consigo mesma
Rabiscava o papel rapidamente, ía e voltava em pensamentos, saturava.
Havia dias em que não conseguia emitir uma palavra dita, não ouvia nada que não interessasse
Afundava naquele mundo seu, mesmo que colorido, mas com cores que ela não conseguia tocar.
E rabiscava tudo, desenhava histórias confusas e rasgava de novo.
Era como se elas fugissem dela, não quisessem se sufocar nas mãos nervosas
Aqueles dias longos corriam, pareciam escadas íngremes, tontos, sem alguém para segurá-la e ampará-la no tempo.
Ela tinha medo dos escritos, tinha medo da escada, de abraços, fugia dos olhos dos outros, com medo de perceberem suas fraquezas
Queria parecer forte, e a força inventada nem sabia de onde surgia.
Era inventada.
Crítica.
Vinha um sobressalto e corria para os escritos como para uma jaula, como para uma caixa.
Queria se esconder ou que a esquecessem por uns dias.
Alguns poucos. Para sentir falta da atenção e buscar novamente a crise que parecia um vício
( o de matar suas histórias sem ninguém para impedí-la)
Percebia que seus ouvidos não sensibilizavam, gostava da solidão das letras, tornava-se desejada nas suas histórias.
Era o seu modo de viver sem sofrimento, como se a protegessem.
Do nada e do tudo.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Férias forçadas

Por Viveca Santana
Ando com um monte de listas ultimamente. Das músicas mais bonitas, da poesias guardadas e dos textos, que aos montes inflamam minha mente e não ressoam no papel.
A trilha para tudo isso tem sido algumas músicas do Beck, algumas do Keane, outras do Cake.
Boas dicas para que não conhece nenhum deles é começar a ouvir sem preconceito, já que são estilos bem diferentes (João Gilberto anda na roda também, com sua parcimônia de quem canta sussurando e sua antipatia adorável).
Das boas:
"Bad dream" - Keane
"Think i´m in love" - Beck
"Italian Leather Sofa" - Cake
"Ritinha" - João Gilberto

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Banda Los Hermanos "dá um tempo", mas nega briga

da Folha Online


A banda carioca Los Hermanos publicou em seu site oficial um comunicado no qual informa que vai "entrar em recesso por tempo indeterminado". O conjunto nega que esteja em processo de separação.Em dezembro de 2006, o grupo fechou a turnê do disco "4", em São Paulo, tocando"Anna Júlia". A performance foi recebida com estranhamento e surpresa pelos fãs.

Segundo o site oficial, "a pausa atende a necessidade dos integrantes de se dedicarem a outras atividades que vieram se acumulando ao longo desses dez anos de trabalho ininterrupto em conjunto."

Não há previsão de lançamento de um novo álbum.O grupo também nega que tenha havido qualquer desentendimento ou discordância. "Tanto que continuamos jogando truco toda quinta-feira", brincam. O comunicado informa que, mesmo já tendo terminado a turnê do disco "4", Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Bruno Medina e Rodrigo Barba farão duas apresentações no Rio, nos dias 8 e 9 de junho.

Além de "4" (2005), a banda tem mais três CDs: "Los Hermanos" (1999), "Bloco do eu sozinho" (2001) e "Ventura" (2003).

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Saudade.

Por Viveca Santana
Tem pessoas que passam pela vida da gente por algum motivo.
Algumas para nos ensinar alguma coisa (mesmo que a gente não aprenda ), para a gente não esquecer ou simplesmente para fazer companhia e dividir coisas simples como a cama, os problemas e agruras que a vida teima em despejar ou, um banco de praça.
Tem as que passam distraídas, numa intensidade grande e marcam com sua grandeza .
Algumas dessas pessoas especiais estão indo e sinto muita falta delas. Todas de uma importância tremenda porque me ensinaram muito, sofreram comigo, me trouxeram tranquilidade na hora certa, estiveram perto nos dias de sorriso.
Algumas continuam por perto, mas a vida tem afastado, com todos os seus desacertos : porém, continuam aqui, guardadas em algum lugar do peito.
E há as que não estão mais e não tem jeito, não posso dividir um domingo ou abraço - só posso me acostumar com a saudade que não vai embora nunca (mas que é boa assim mesmo: não tem coisa melhor do que uma lembrança).
Lembrança do cheiro, do jeito de tocar, da maneira de sorrir, de um cafuné, de uma frase dita e que nunca se esquece nem com o tempo.
Esse tempo dura muito às vezes, parece uma eternidade. E Longa.
Para os que não são esquecidos nunca, por motivos diferentes : uma música, uma dança, minha pieguice e o meu amor pra sempre.
Para minha doce avó, Olívia e Taísa (e para todos os amigos queridos, de perto).
Esse é para vocês.

terça-feira, 17 de abril de 2007

O olho é o ovo do verbo

Por Gero Camilo
Revista Bravo! 03/2007


Essa semana dei-me um castigo: não possibilitei-me a escrita.
Durante todos os dias fui acumulando vontades. Palavras que vinham na mão e eu tinha que escrevê-las, mas não escrevia.
E fiquei me enchendo delas. Muitas palavras. Não fosse engordar de palavras, ainda engordava das mães. Das mães. Das mães das palavras. Senhoras magras com lençóis brancos postos ao sol. Garotas de tranças e sandálias. Sandálias nos pés e dálias nas tranças. Garotos barrigudos com pernas de cipó. Garotos cor de terra e dentes de leite.
Não fosse engordar de palavras, mães, dálias, dente de leite, ainda engordava do chão que pisa a mãe, que nasce a dália, que o telhado da casa obrigou o dente e o pedido que o menino banguela expressou sem palavra. Só com o olho voltado para Deus do céu em cima do telhado ele expressou seu pedido:
O olho é o ovo do verbo. O dente é o pretérito mais-que-perfeito da gema do sujeito. A mão é a pena da asa da terceira pessoa que seremos adiante. A língua é a crase do beijo. O pé é a vírgula do escorrego. O umbigo o adjunto da espécie. A mulher é o ponto que sobe. O homem é o ponto que desce. O verbo é olho do ovo. A letra é a digital do osso.
E nós, abstratos desejos de escrever no corpo.
E assim durante toda semana fui engordando dessas coisas. As mãos, perdendo o controle, davam de escrever no vento que roubava os pensamentos e os carregava pras nuvens, e das nuvens pros continentes diferentes do meu, e de lá para mais adiante do tempo que meu pai me deu na aldeia em que eu nasci, e de lá pro topo da montanha ir ver um homem de um outro topo de montanha de outros continentes acenando pra mim num gesto ininteligível de alegria e desespero. Não adiantava querer. Canetas escondidas. Papéis molhados. Afoguei poemas.
Deixei frases inteiras boiarem na pia. Podia até ouvir o eco no ralo das palavras que quando sós não valem nada. Podia vêlas morrer na água.
Arrepiou minha vontade. Endoideci.
...
Gero Camilo é ator, diretor, dramaturgo e escritor

quinta-feira, 29 de março de 2007

Do trailer ao post

Por Viveca Santana

Hoje indico um blog muito bom, da Folha de São Paulo, dirigido aos cinéfilos, amantes de filmes de qualidade e de Arte.
O Ilustrada no Cinema tem matérias ótimas que sugiro aos exigentes espectadores e aos que adoram ficar em casa no ócio, vendo um bom filme.
Detalhe para a matéria publicada no dia 16/03 sobre os "Gênios do jazz no cinema" - provavelmente teremos Miles Davis e Dave Brubeck como personagens de filme e documentário, ótimas oportunidades para quem não conhece o trabalho dos dois.
Na Filmoteca, indicações ótimas como "Laranja Mecânica" de Kubrick e "Boogie Nights", de Paul Thomas Anderson além de "Acossado" de Jean-Luc Godard que sempre surpreende.
É isso.
Para guardar nos "favoritos" : http://ilustradanocinema.folha.blog.uol.com.br/

terça-feira, 27 de março de 2007

Lost.

Juro que tentei. Tentei sair no sábado, enfrentar o trânsito insuportável de Salvador e aguentar os guardadores de carro para ver uma das minhas bandas prediletas daqui, a Machina.
O problema é que como sempre, fui parar no bar errado e tive a certeza de que estou com uma memória péssima.
Se não me perder pelas ruas da próxima vez, juro que falo da banda.

terça-feira, 13 de março de 2007

Blocked.

Por Viveca Santana

Ontem foi um daqueles dias extremamente preguiçosos, dos que a gente acorda meio chateado e sem saco para ensaiar uma conversa com alguém, dar dois passos a mais, ou atender um telefone.
Dia em que alguém fala com você e as palavras não têm importância nenhuma. São só palavras soltas, sem nexo. Sem a sonoridade e a delícia de se ouvir e responder.
A novidade (que nem é novidade mais) é que ando num período de bloqueio. Não consigo escrever nada.
Tenho até alguns momentos bons de devaneio, mas quando tento colocar no papel, vai tudo embora. Talvez porque o que surgiu na hora, não seja meu realmente e aí por não me pertencer, se perde.

**Dica para ouvir num dia desses: qualquer coisa do Radiohead.






segunda-feira, 5 de março de 2007

...ter loucura sem ser doida...

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais, mas pelo menos entender que não entendo".
Clarice Lispector


*Clarice. Uma das minhas favoritas - a que me espelho, a que adoraria tornar-me se fosse possível, a que devoro os livros, sem preguiça alguma. A que vê na loucura um ar de imaginação, de doçura, de entendimento, mesmo que não seja o entendimento que nos acostumamos e nos obrigam a ter. Este é um dos muitos fragmentos, vivos no meu caderno de anotações.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Confete e serpentina

Por Viveca Santana

Ainda bem que o Carnaval de Salvador acabou.
Tempo de elitismo e bom palco para os Globais que esquecidos, procuram por uma aparição gratuita na TV.
A verdade é que eu não tinha lugar mais para me esconder de uma festa que obriga até a quem não gosta, assistir. Obviamente serei execrada pelo meu comentário, há quem goste e eu respeito, mas como não concordar que uma festa considerada popular reduziu-se a um espaço de Mídia, um lugar para a exclusão, para ganhar dinheiro e escutar gerundismos e o comentários descabidos?
Darwin adoraria ver sua Seleção Natural se comprovando de maneira tão explícita.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Utilidade Pública

Por Viveca Santana

Aos amantes de música que têm a preferência em ouví-la sem o incômodo de ter que digitar uma senha ou fazer alguma compra, indico dois sites muito bons - hoje presenças constantes nos meus dias cansativos. O primeiro e meu predileto, é o Musicovery (http://musicovery.com/) - site interativo que possibilita ouvir muita coisa nova ou que a gente nem conhece, de maneira bem fácil, quase preguiçosa ( não precisa cadastrar absolutamente nada nem se estressar muito com o inglês). Lá você pode escolher o estilo, gênero, humor do seu dia e período musical (dá para ouvir dos anos 50 até hoje).

O outro é o Pandora Project (http://www.pandora.com) - um pouquinho mais complicado (tem que cadastrar login, endereço, data de aniversário, atestado de sanidade mental.) mas é muito legal também : dá a oportunidade de fazer a sua própria estação de rádio com o estilo dos artistas prediletos, visualizar os cds e incluir como favoritos para ouvir com frequência (a parte ruim é que não há a opção de cadastro de música brasileira, ainda).

Duas opções interessantes, se comparadas às rádios-virtuais -tranqueiras que vemos por aí.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Desafinada

Por Viveca Santana

Os textos têm saído meios disformes, desconexos. Meio em pedaços.
Todos escritos ao som de Vinícius e João Gilberto (e um pouco de música francesa).
Tenho brigado um pouco comigo mesma – assumi que esse ano vou me estressar menos, deixar de me preocupar com pequenas coisas e como digo decidida à uma grande amiga – vai ser meu ano de desapego (ela ri todas as vezes, faz pouco, mas é verdade).
Só não sei como vou me desapegar dos cd´s, das palavras, dos livros, das discussões e dos lapsos de memória.
E das coisas realmente importantes, impossíveis de desapegar e que pra ser sincera, nem pretendo.
Ando morrendo de saudade da minha insônia, que ultimamente rancorosa, me abandonou ao sono medíocre depois da novela das oito. Bukowski me observa irônico, na estante, pré-terminado e me esperando ao lado dos outros livros - odiando a minha impessoalidade e desinteresse repentinos.
E a agenda neste período, cheia de poesias de Drummond, reescritas e rabiscadas antes do sono.
Na próxima, prometo. Só falo de rock.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

Minha filha, se acaso o Vacuum Cleaner


Por Vinícius de Moraes

** Texto perfeito para a entrada do ano e para a falta de paciência excessiva dos dias de hoje.


Minha filha, se acaso o Vaccum - Cleaner
Em meio à lida te fizer doesto
Não grites, porque a coisa é pequenina
Não te enerves de resto

Não te enerves tampouco com a galinha
Se por pristina não cozeu bastante
Ou com o fio da meia, ou com a sentina
Ou com o nó do barbante

Não praquejes ao alegre cocker-spaniel
Se maculou de lama o teu soalho
Nem a ti mesma, se impaciente
Aumentas teu trabalho

Aprende a manejar da paciência
Os muitos bilros do tear infindo.
E a olhar os bens imóveis com clemência
E os azares sorrindo

Guarda tua impaciência, minha filha
para o fascista sanguinário e duro
O que olha a vida com malevolência
E tem ódio do futuro

Guarda tua impaciência para o infame
Que fez do negro o tenebroso fruto
A balançar os galhos e marcar
As campinas de luto

Guarda tua impaciência para o monstro
Que numerou os judeus em ferro e brasa
E aos que por egoísmo tanto tempo
Os privavam de casa

Deixa que só exploda a tua cólera
Sobre o homem do carisma de Deus
Que diz ao pária: Sofre! é teu destino!
Sofrer leva-te aos céus!

E com a direita afaga-lhe a cabeça
E com a esquerda toma-lhe uma esmola
Para erigir um templo onde era tempo
De se erguer uma escola

Reserva a tua ira aos que não ouvem
Aos que preferem não se misturar
E abafam com quartetos de Beethoven
A grita popular.


* Vacuum Cleaner: Aspirador de pó


Ler ouvindo: Wishlist do Pearl Jam