domingo, 30 de março de 2008

Cacos

Por Viveca Santana

Era como um vidrinho desses que tinha reconhecido na casa da avó.
Daqueles que ficam na estante mais alta, para os pequenos não se aventurarem a pegar.
Todos que chegavam naquela casa elogiavam o vidrinho, como era bonito de olhar ele, lá em cima, tão longe das mãos, difícil de tocar.
Ninguém podia dizer uma palavra inconveniente, um desatino, um defeito, um erro dele – o tal vidrinho ía rachando, rachando.
Já estava bem trincado nos tantos anos de existência, cansado de não ter a atenção que merecia, lá em cima na estante. Só sendo elogiado de longe.
Mas era um cristal tão colorido e cheio de prismas que ninguém nunca percebia o quanto estava frágil, perto de partir pra sempre. As pessoas também não se importavam com isso, se quebrasse, era só trocar por outro mais bonito, talvez um daqueles que avistaram numa loja nova, com promessas de quebrar dificilmente e também mais novo aos olhos.
De certo, ninguém pararia no tempo para colar os caquinhos do vidro.
Não ficaria bonito como antes.
Havia muita coisa para se fazer, muitas responsabilidades mais importantes.
Tornava-se mais fácil juntar os caquinhos coloridos pra longe e jogar fora. Viver mais tranquilamente sem a possibilidade de cortar os pés ou de tê-los incomodando os olhos.
E a vida seguia adiante, com um novo cristal lá na estante, novo e mais bonito, talvez.

sexta-feira, 21 de março de 2008

As ondas.

"Ele me esquecerá. Deixará sem resposta minhas cartas, que ficarão em meio a suas espingardas, seus cães. Eu lhe mandarei poemas, talvez ele responda com um cartão-postal. Mas é por isso que o amo. Proporei um encontro - debaixo de um relógio, ou numa encruzilhada; esperarei, e ele não virá. É por isso que o amo. Ele se afastará da minha vida, esquecido, quase inteiramente ignorante do que foi para mim. E, por incrível que pareça, entrarei em outras vidas; talvez não seja mais que uma escapada, um simples prelúdio."
Virgínia Woolf.
* último post copiado e encontrado em tantas coisas que tenho lido aos montes. Os próximos textos espero que sejam meus, exilados da preguiça.

sábado, 15 de março de 2008

Trecho

"Sabe?
Eu procuro agora, de preferência em certas horas, os lugares em que um dia fui feliz, feliz à minha maneira, e ali tento com minha imaginação imprimir ao presente a forma do passado irrevogável, ou também representar mentalmente o passado; e ali me ponho muitas vezes a dar voltas sem finalidade, como uma sombra, pelas ruazinhas de Petersburgo.
Neste instante recordo, que faz um ano que andei pela mesma calçada, e nesta mesma hora, tão só e triste como hoje. E recordo que meus pensamentos de então eram igualmente tristes como os de agora, e apesar de que também o passado não seja melhor, parece-nos que o foi, como se tivéssemos vivido mais placidamente, e não tivéssemos tido sobre a alma essa vaga melancolia que agora nos persegue...que não sentimos esses remorsos de consciência, que nos atormentam de modo tão doloroso e incansável, e não nos deixam gozar de um instante de repouso nem de dia, nem de noite.
E a gente abana a cabeça e murmurra "Como passam rápidos os anos!" e a gente volta a perguntar a si mesmo: "Que fizestes dos teus anos? Onde enterrastes o teu tempo?
Vivestes ao menos? Ou não?" "Olha - dizemos para nós mesmos - olha que frio faz no mundo. Passarão ainda alguns anos, e então virá a espantosa solidão, virá com suas muletas a velhice trêmula, trazendo consigo a tristeza e a dor. Perderá suas cores o teu fantástico mundo, murcharão e morrerão seus sonhos, e como a folha amarela da árvore, igualmente se desprenderão de ti..."
Noites Brancas, Fiódor Dostoiévski

quinta-feira, 6 de março de 2008

Santa Ceia

Aconteceu na primeira reunião ministerial de 2008. Depois de infinitos “nunca na história do mundo”, LULA, finalmente, equiparou-se a CRISTO. Repercussão, como não poderia deixar de ser, no Brasil e no mundo. LULA tem resistido a tudo. Mas, muitas vezes, um pequeno detalhe, que quando acontece passa batido ou causa alguma repercussão, meses depois converte-se numa bomba destruidora e impossível de ser desarmada. Que o diga Fernando Henrique que anos atrás perdeu uma eleição já ganha para JÂNIO por uma frase perdida, ou por sentar-se, antes da hora, na cadeira certa, ou, se preferirem, sentar na cadeira certa na hora errada. Será que desta vez LULA tropeçou de vez? O tempo dirá.
Ao abrir a primeira reunião ministerial, e dentre outras coisas, disse, “eu fico imaginando que muitas vezes nesta mesa aqui parece a Santa Ceia, todo mundo reunido...”. E como não poderia deixar de ser, todos concluíram que naquele momento se equiparava a Cristo, e a pergunta seguinte é quem, dentre não os 12 apóstolos mais os 37 ministros, seria JUDAS? RICARDO NOBLAT em seu Blog comentou, se Judas chamasse Jesus para “compor a chapa do partido, seria para vice”. Já LUIZ ERNESTO BARRETO, em seu blog “A IMPRENSA DE CUYABÁ”, foi mais longe, “Os hospícios estão cheios de gente assim. Notamos que ele (ou seria Ele) está queimando etapas, pois não passou pela incorporação de Napoleão Bonaparte. Dentro do previsível, não se pode estranhar se em ocasião próxima, superada essa fase, resolva o nosso presidente revelar que na verdade é o Pai, criador do céu e da terra, continuando o previsto no manual progressivo freudiano...”.
Depois, na mesma reunião, reclamou que os ministros não falavam entre si, como se ele não tivesse nada a ver com esse absurdo, e muito mais.
De qualquer maneira, e conta a história, todas as vezes que alguém resolve brincar com a Santa Ceia, alguma coisa de ruim acaba acontecendo. No início dos anos 90, o principal dirigente de uma próspera agência de publicidade do Brasil, decidiu fazer um anúncio da agência cujo título era exatamente esse, A SANTA CEIA. E imediatamente, ninguém teve a menor dúvida de quem era, naquela agência, o Cristo. Seus 3 principais apóstolos, não querendo incorporar a figura de Judas, decidiram pegar o chapéu e seguir em frente. Hoje, comandam duas das mais importantes agências em atuação no país. O anúncio que acabou não sendo publicado, seguramente mudou a história de nossa publicidade. Será que mudará a história do país?

sábado, 1 de março de 2008

Tourbillon de la vie

Por Viveca Santana

Aquela casa grande e colorida agora estava vazia.
Olhava para todos os lados e não via as paredes que antes guardavam suas lembranças todas.
Levaram tão rapidamente, o que ela tinha passado anos para pôr naquelas caixas.
Em um dia levantou e não encontrou mais nada.
Perder coisas era algo mais cansativo do que construir - seu corpo doía tremendamente por não ver mais nada do que havia demorado tanto para ter e sentir carinho.
Será que todas as lembranças da caixa foram jogadas fora ?