quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Colores

Por Viveca Santana
... e os espaços vazios vão se encher de luz vaga-lume novamente.
Vão vir azuis se eu quiser e de todas as cores. Nem vai precisar eu forçar todas elas, apertando os olhos. Elas vão vir.
Dias antes olhei triste, três vezes pro mesmo ponto, adormeci e despertei sem vê-las : eu nunca as tinha desejado mesmo.
O preto e o branco não exigiam da minha sensibilidade, da exposição da minha fraqueza e teimosia.
Acordei na manhã seguinte com os olhos quentes de luz, chegaram rápido, me empurraram segura num abismo arco-íris só meu e me cegaram com uma força tênue.
Hoje num vício delicioso, da distorção da delícia de seus matizes, não consigo querer mais nada além delas - me acordando todos os dias.
Cheias de cor vaga-lume.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Instruções para chorar

Julio Cortázar
Deixando de lado os motivos, atenhamo-nos à maneira correta de chorar, entendendo por isso um choro que não penetre no escândalo, que não insulte o sorriso com sua semelhança desajeitada e paralela. O choro médio ou comum consiste numa contração geral do rosto e um som espasmódico acompanhado de lágrimas e muco, este no fim, pois o choro acaba no momento em que a gente se assoa energicamente. Para chorar, dirija a imaginação a você mesmo, e se isto lhe for impossível por ter adquirido o hábito de acreditar no mundo exterior, pense num pato coberto de formigas ou nesses golfos do estreito de Magalhães nos quais não entra ninguém, nunca. Quando o choro chegar, você cobrirá o rosto com delicadeza, usando ambas as mãos com a palma para dentro. As crianças chorarão esfregando a manga do casaco na cara, e de preferência num canto do quarto.
Duração média do choro, três minutos.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Vírgulas

Por Viveca Santana
Havia uma tentativa de mudar o que já era faz tempo.Tinha uma falta de pudor inconsciente, uma bravura verdadeira, um medo de mostrar o que era pros outros. Muito fácil desculpar-se na sua loucura, deixar que a vissem com uma força tremenda, uma falta de sentimentos - seu choro era sempre amparado pela sua falta de vontade de sofrer. O grito estava lá, preso há anos, doido para sair dali e se saísse, poderia se acostumar, sensibilizar, virar mais uma delicada incansável pro mundo fazer sofrer.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Bipolaridade Rulez

"Seria tão fácil aproveitar dela. Qualquer um poderia. Qualquer um a levaria por uma palha, um raciocínio, um doce. Por isso achei melhor deixá-la no quarto trancada, e não apenas eu: nós todos a estamos vigiando em turnos alternados. Ela poderia sair andando como um cachorro peregrino no seu último dia. Mas também não é isso que procura. Prefere o tule fino dos lençóis. E quer ser lembrada. Eu lembro. Eu vou me lembrar."


"Tiraram algumas nesgas do alto das pernas dela, um lanho ou um tufo de pêlos. Magra, ela ainda está quente, como um corpo vivo. Seu peso, é mais um peso do que alguém, respira, e se os têm abertos (poros e olhos), algumas concavidades, onde havia carne, foram cavadas pela mão de quem - do Senhor das amarguras, ou desencanto, ou pelo seu desejo de encontrar uma planície branca, mesmo que fosse a morte".


"Não sei precisar o que haverá de tão desejável no púrpura das suas olheiras, na baba que escorre pelo seu queixo. Não sei dizer porque não posso tirar meus olhos dela. Sinto a maré da sua tristeza me arrastar. Não sei por que não durmo, por que não vou embora de uma vez. Talvez lhe fizesse bem, afinal estar sozinha e abandonada. Talvez a minha paciência seja um sintoma da sua doença, como seus pesadelos, o choro lento e sem fim, a articulação imperfeita das sílabas quando fala, como se estivese bêbada."
Trechos de "Minha Fantasma", Nuno Ramos.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Set list.

Acredita-se que tudo pode acontecer este ano. A lista de shows para 2008 não contará apenas com Ivete Sangalo, Babado Novo e funk carioca. Será?

Bob Dylan - São Paulo (Via Funchal) e Rio de Janeiro (local ainda não definido).

Iron Maiden - São Paulo (no dia 2 de março; ingressos já esgotados), Curitiba (dia 4) e Porto Alegre (dia 5).

Interpol - São Paulo (no dia 11/3, no Via Funchal), no Rio de Janeiro (em 13/3, na Fundição Progresso) e em Belo Horizonte (dia 15/3, no Chevrolet Hall).

Prováveis : Foo Fighters (entre outubro e dezembro), Rage Against the Machine e The Cure (quando?)

domingo, 6 de janeiro de 2008

La Notte.

Michelangelo Antonioni
"Hoje, quando acordei, você ainda dormia. Aos poucos, acordando, senti sua respiração leve.
E através dos cabelos que escondiam seu rosto, vi seus olhos fechados e senti uma comoção subindo à garganta. Tive vontade de gritar e acordá-la pois o seu cansaço era profundo e mortal. Na penumbra, a pele dos seus braços e pescoço estava viva e eu a sentia morna e seca.
Queria os lábios nela mas o pensamento de perturbar seu sono e de ainda tê-la em meus braços, me impedia. Preferia tê-la assim, como algo que ninguém tiraria de mim, pois só eu a possuía. Uma imagem sua para sempre. Além do seu rosto, via algo mais puro e mais profundo onde eu me refletia. Eu via você numa dimensão que englobava todo o tempo da minha vida.
Todos os anos futuros e os que vivi antes de conhecê-la, mas já pronto para encontrá-la. Este era o pequeno milagre de um despertar. Sentir pela primeira vez que você me pertencia, não só naquele momento, e que a noite era eterna ao seu lado.
No calor de seu sangue, de seus pensamentos, da sua vontade, que se confundia com a minha. Por um momento, entendi o quanto a amava, Lídia, e foi uma sensação tão intensa que meus olhos se encheram de lágrimas.
Eu pensava que isso jamais deveria terminar. Que toda nossa vida deveria ser como esse despertar. Senti-la não minha... mas como uma parte de mim. Uma coisa que respira comigo e que nada pode destruir, a não a ser a indiferença de um hábito que considero a única ameaça. Então, você acordou, e sorrindo, ainda adormecida, me beijou e eu senti que não havia nada a temer. Que seríamos sempre como naquele momento, unidos por algo que é mais forte que o tempo e o hábito."
Quando vi este filme, por indicação de uma amiga que tive o prazer de conhecer, me apaixonei perdidamente pela maneira sincera que Antonioni enxerga os detalhes, que muitos não conseguem ver. Procurei este último trecho na internet, tentei rever o filme algumas vezes e por esta amiga, fui presenteada com o diálogo final do filme - uma das cenas mais lindas que já vi.
Para quem não conhece, tente assistir a trilogia (L'avventura, La notte e L'eclisse) , de coração aberto.
Foi uma das melhores descobertas que já tive e hoje é um dos meus cineastas mais queridos.