quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Cristina

Por Viveca Santana
Os remédios que Cristina tomava não adiantavam mais.
As pílulas coloridas se amontoavam sob a geladeira. Talvez ela tivesse que comprar mais na farmácia,pensou todas as vezes que passou pela cozinha, como uma das providências básicas da rotina de dona de casa que era: comprar leite, pão, café, pílulas coloridas. Pílulas coloridas. Pílulas coloridas.
Continuava vendo luzes, passos perdidos no ar, caminhos e encontros inexistentes. Mesmo sem ver resultado algum no que o médico recomendara.
Cristina não era louca, não era dada aos prazeres alcóolicos, só enxergava mais do que os seus olhos podiam ver.
Já havia lido tudo sobre e em todos os casos, diagnosticavam estados depressivos, tristeza aguda, melancolia, todas as polaridades que íam e vinham sem ela nunca entender e para alguns, uma proximidade com o etéreo mundo dos mortos, que particulamente pra ela, nunca tivera graça.
Todos os dias chegava em casa ansiosa, tirava os sapatos pequenos na porta, uma de suas manias simples, tomava o banho mais demorado e quente que seu corpo podia suportar, enchia uma xícara de café e ficava horas na mesa tamborilando os dedos amarelados de cigarro, olhos azuis perdidos no tempo e cheios de lágrimas sem motivo.
As horas passavam rápidas e muitas vezes percebia que ficara muito tempo ali sem nada pra fazer, sem pensamentos pra pensar, o silêncio na casa toda - o café já frio na mesa, a vida passando lá fora, o vento batendo nas cortinas da sala. Não tinha fome.
Vestia o pijama sem graça de sempre, deitava na mesma posição de sempre, a mão no rosto e a cabeça num mundo longe, longe. O sono nunca vinha, passava.
Não, a dose daquele remédio nem adiantava mais, ela não sentia o doce nos lábios, os dedos sem firmeza e frieza e a sensação boa de preguiça, a vontade de descansar sem o compromisso de acordar, o sopro gostoso na nuca, o estado de segurança que ele lhe dava.
Aqueles momentos que Cristina dividia consigo não eram tristes, eram seus, o mundo não prendia ela mais em si e ela voava pra dentro dela sentindo cada parte do corpo tomando conta do peito, cabeça e sentidos.
Era como se tivesse finalmente comprado seu coração de volta, voltado a perceber o que era, sem necessitar das opiniões, das crises de aceitação, da carência que não passava nunca e se entranhava naquele corpo pálido.
Também não era hipocondríaca, nem viciada nos tais coloridinhos. Só não sabia mais como se segurar ali, não conseguia se ocupar sozinha daquele lugar que era seu, sentia-se insegura por não conseguir mais tocar os pés no chão e saber que não sairia mais daquele estado intenso e vivo das coisas - sem a perda de consciência que as pessoas viviam cobrando dela.
Aquela agonia pairava ali até que fosse novamente na farmácia.

10 comentários:

Anônimo disse...

happy pills!

Anônimo disse...

Acho fascinante o ato de poder escrever, isso porque podemos deixar nas entrelinhas, mensagens que só nós podemos compreender.

Como sempre, muito bom!

Bjs.

Lisandro

Anônimo disse...

Eu continuo achando que se vc escrevesse um conto erotico ia ser mega hit world!!!Pxxxxxx...Cade a menina dos oião???Ehehe...bj do Braguinha

leite.manuela@gmail.com disse...

aiaia se realmente houvessem happy pills... eu seria representante!

rsss

beijo no coração

Laert disse...

Muito bom Veca.

Por que você não faz um blog?

:)

Beijão.

ligia disse...

gostei. coerente com a ânsia de quem busca algo...e encontra.
bjkas linda

Anônimo disse...

Todo mundo deve ter um pouco de Cristina...mas dá e passa. :)

Anônimo disse...

minhas pílulas coloridas: sentimentos. um beijo, viveca.

Christiana Fausto disse...

vivequinha, vc como sempre continua arrasando. Grande beijo e o mínimo de pílulas coloridas pra vc. bj!

BelaCavalcanti disse...

amei. E adoro sempre que netro aqui.