Por Viveca Santana
Júlia era uma criança com olhos grandes e poucas palavras. Não via muita importância em dizer muito, era muito cansativo falar, mesmo que fosse pouco. Também não era bonita.
Assustava até. Tinha traços levados para a idade e hábitos de velhice.
Os pais ficavam sentidos por não poder apresentá-la tanto, exibir os seus dotes infantis, afinal as crianças existiam para isso : para serem exibidas aos passantes. Exaltaram-se por muito tempo com aquilo. Tinham uma pequena que não se misturava às outras, que sentia-se feliz em estar só, em não fazer parte do mundo.
Na verdade, se preocupavam com o que todos falavam dela: por que havia nascido daquele jeito, reclusa, com aqueles olhos grandes que pareciam engolir o mundo, sem nada pra dizer, sem fazer amigos, quieta pelos cantos.
Tentaram terapias, novenas longas, viam um possível autismo, mudaram de escola algumas muitas vezes, choraram muitas noites, a mãe preocupada com o falatório dos vizinhos e parentes - a sua rotina afetada e impaciente com os hábitos de Júlia.
Falavam dos seus olhos inquisitores, de crítica. A solução era desviar os olhos, destacar a sua falta de importância. Os pais decidiram por deixá-la em casa, nos jantares e reuniões familiares. Seria mais conveniente e evitariam tantas piadas e explicações.
Ela com as bonecas, os livros e a tv, não levantariam tantas discussões - os encontros com os tios não se tornariam situações de vergonha interminável, de comparações com os sobrinhos normais. Mas Júlia não seria desse jeito se quisesse.
Tornou-se mais um móvel naquela sala grande porque nunca havia sido o que queriam, nunca recebeu o carinho dos outros por ser diferente. A sua existência inconstante seria algo triste diante da normalidade dos outros.
Certamente Júlia seria mais uma, que não sobreviveria sozinha com aqueles olhos grandes que incomodavam aos normais e aos seus.
Era mais uma criança que tinha que ser o que os pais almejavam.
E não era.