sábado, 25 de setembro de 2010

Então deixa eu dormir

Por Viveca Santana

Na tentativa de viver intensamente, respirar como nunca respirou antes, apoiava as andanças distraídas de seus sonhos, não mais em caminhos através das nuvens, nem nos desejos que vão se perdendo aqui e ali e se conectam com as coisas pequenas do dia a dia, fortalecidos pelo poço fundo do cansaço.
Naquelas tentativas, começava um condicionamento seu, distante dos remédios escravizantes pra dormir e tornava o ato de deitar, cerrar os olhos, preparar o corpo pro sono, um universo só seu, cheio de coisas pra fazer, sem imposições e preconceitos.
O movimento por dentro das cobertas agora assemelhava-se a se acomodar próximo a uma janela e ir percorrendo um caminho novo, descer numa estação desconhecida, sem medo algum, sem ninguém para esperar e sem malas pra levar.
Agora queria sentir o cheiro que vinha da janela aberta, cheiro do vento que soprava em seus cabelos, gelava seu rosto contaminando o corpo todo, ensaiando os planos de recomeço e todos os seus medos.
Seriam pouco dias de sonhos, mas seriam só seus.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Saudade

Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.

José Saramago.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

...

"Pode ter sido culpa da sonolência provocada pelo calor daquele dia de verão... O fato é que, depois que o Coelho Branco passou correndo por Alice, tirou um relógio do bolso do colete e disse que estava atrasado, nada mais foi o mesmo. Seria impossível não segui-lo e entrar naquela toca funda e cair até chegar ao mundo maluco e inesquecível, que convencionamos chamar em português de País das Maravilhas."

domingo, 21 de março de 2010

Ponto Morto

Por Viveca Santana

Submersa em alguns litros d água, via peixes de todas as cores vestindo seu corpo como um véu líquido, devassando sua pele branca.
Olhos abertos no turvo, bolhas surgiam expiradas do peito, tensas e envoltas numa mistura de leveza e peso.
Leves suspiros guardados sopravam de um pulmão cinza, de mulher enjaulada em vícios, frases não ditas e noites mal dormidas.
Na superfície deixavam-se levar pela brisa quente, destino de todos os sonhos, que se partiam fácil como plástico-bolha, em uma mania adquirida em dias de carências de sofá de casa, maços de cigarro e café requentado.
O corpo desejava a terra firme, a areia seca, a angustiosa ordem que virava um musical com jeito de Aznavour, impregnado de saudade e expectativas de recomeço.
Mas enchia de medo a ideia árdua de voltar.
Assim, teimava entre a superfície e o retorno pro fundo, desafiando a gravidade, indecisa entre a proteção da água e a pungência colorida do sol.
A dúvida a estabilizava em ponto morto entre um mundo e outro, doendo costelas e peito, esfriando o estômago, fazendo ranger dentes com a força insistente da indecisão, de quem se acostumou com a inércia e o abandono.
Voltar doía e cansava tanto, que pensava em desistir.
Devia deixar flutuar livre e de braços abertos ou descer ancorada de volta pro fundo, casa de suas ausências, casa de desejos sepultados?


Para ler ouvindo “Bookends, Simon & Garfunkel”.