domingo, 26 de abril de 2009

Ninguém merecia Laura

Por Viveca Santana

Ninguém merecia Laura.
Nem a vida, nem as flores, nem a música que ouvia repetidas vezes e serviam de trilha para abraços no travesseiro.
Muito menos seus amores.
Suas manias enjaulavam no seu mundo próprio, as unhas roídas denotavam as fraquezas e perdas que ela esperava camuflar, as cicatrizes a levavam pra onde fosse, pelo que queria dizer e não disse.
Amava excessivamente à todos, peito dolorido, cheio de hematomas por isso.
A amargura que brotava de seus lábios tinham o gosto da ausência e da hostilidade de alguns, que ela queria que fizesse parte do seu caminho, ou a merecessem num encontro de poucas horas.
Incansavelmente, Laura tentou amar a todos como a si mesma, quis se desfazer do destino, fazer os encontros acontecerem, mesmo que não dependessem dela. E se decepcionava.
A ansiedade-das-unhas-roídas demonstravam a sede de amar de Laura - e ela mais uma vez não quis que a decepção a abraçasse tão amigavelmente como estava acontecendo.
A vida seguia adiante, trancou-se para os que não permitiam seus jeitos agudos - talvez se sentisse menos irreal se resolvesse cruzar a rua sorrindo, pensou.
A idéia de que conspiravam para que ela jogasse todo aquele amor em algum jardim que ela gostava, aquele amor (ela sabia) que era demais para depositar em alguém, corria pelos seus pensamentos, sopravam nos seus ouvidos, viravam soluços.
Lembrou da infância quando elevava os sentidos e sentimentos aos extremos, pensava muito em si e punha prazer ardoroso à satisfação em ver alguém, quando oferecia um regalo, ou quando ouvia que doariam seus sonhos à sua presença.
Prazer para Laura era prender à todos perto dela como se o ato de respirar dependesse disso.
Na juventude, costumava esquecer dos amores depois de sofrer, latejar e reerguer, tão rápido, para começar um novo, mais de acordo às suas vaidades e histerias.
Os que não mereciam Laura tinham pena dela, aproveitavam - se de sua bondade e do seu afeto pelo mundo, seguravam sua mão, enchiam ela de carinhos, depois abandonavam ela lá sozinha, com palavras prontas aos montes, promessas e planos para começar a desistir.
A moça inacessível, sem a obviedade das mulheres comuns que atraíam pela feminilidade e pela possibilidade de controle dos cavalheiros, fez-se desfeita dos balangandãs, que obstinavam a beleza, tornou-se morta ao sacrifício do convívio e viveu sozinha até os 40 anos.
Laura sabia que tinha valores que quase ninguém compartilhava: a vontade de doar sem medo de se perder, a doçura de ser o que era, mesmo que isso fosse ridículo e se aturava assim mesmo. Repetiu isso para si muitas vezes, para compensar sua dor, mas o abismo se abria na frente dela, atraente. Ainda teve tempo de procurar algo bom na solidão que a acompanhava.

Porém, nem ela merecia o cerco que fez em si mesma, então aos 40, calou seus pensamentos e cansou de se merecer.
O abismo foi o único que se abriu pra ela.