terça-feira, 24 de março de 2009

Rivotril e dois dedos de vodka

"Hoje, quando o tintureiro chegar e perguntar:
"Tem roupa pra lavar?", vou disfarçar e dizer "Tem não, senhor..."
Da última vez que dei minhas roupas para lavar após assistir a um show do Radiohead, vi no dia seguinte o tintureiro voltar com uma certa melancolia estampada na face...
A música deles impregna até na roupa.Não desgruda.
Logo após o show, é impossível sequer ligar o rádio do automóvel. Conversar com alguém, nem pensar...
Dependendo de quem esteja com você então, é uma ótima desculpa.

Na manhã seguinte você ainda acorda enlevado, perguntando: o que é aquilo que passou ontem por mim com tanta força? Mas erra feio quem reduz estes sentimentos somente à melancolia. Este é só um dos inúmeros calafrios que se sente ao ouvi-los ao vivo."


Acabei de ler essa crítica e foi exatamente a sensação que tive. Não consegui ainda escrever nada sobre, nem sei se conseguirei.


terça-feira, 17 de março de 2009

Rivotril 0,5 mg



Já perdi as contas da quantidade de vezes que ouvi essa música, das repetições dela na minha cabeça. Se não for a preferida é uma das que fazem parte da trilha das minhas viagens, das que eu ponho pra curar a insônia que nunca vai.

domingo, 15 de março de 2009

O dia que Júpiter encontrou Saturno

Caio Fernando Abreu
"Foi a primeira pessoa que viu quando entrou.
Tão bonito que ela baixou os olhos, sem querer querendo que ele também a tivesse visto. Deram-lhe um copo de plástico com vodka, gelo e uma casquinha de limão.
Ela triturou a casquinha entre os dentes, mexendo o gelo com a ponta do indicador, sem beber. Com a movimentação dos outros, levantando o tempo todo para dançar rocks barulhentos ou afundar nos quartos onde rolavam carreiras e baseados, devagarinho conquistou uma cadeira de junco junto a janela.
A noite clara lá fora estendida sobre Henrique Schaumann, a avenida poncho & conga, riu sozinha.
Ria sozinha quase o tempo todo, uma moça magra querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz.
Molhou os lábios na vodka tomando coragem de olhar para ele, um moço queimado de sol e calças brancas com a barra descosturada.
Baixou outra vez os olhos, embora morena também, e suspirou soltando os ombros, coluna amoldando-se ao junco da cadeira.
Só porque era sábado e não ficaria, desta vez não, parada entre o som, a televisão e o livro, atenta ao telefone silencioso.
Sorriu olhando em volta, muito bem, parabéns, aqui estamos.
Não que estivesse triste, só não sentia mais nada."
...

quarta-feira, 11 de março de 2009

Roda gigante

Por Viveca Santana

Me deixa descer
dessa roda gigante
não tem arco
nem barco
que me leve a cair

É meu o apelo
do zelo
do encontro
de todo desconto
das coisas pra ter

Me deixa descer
ter vento no rosto
escutar passarinho
ouvir bem de manso
o jeito do mar

Me deixa descer
sentir com o gosto
a graça do toque
de pôr pés no chão

Descobrir a delícia
das coisas mundanas
do gozo
do cheiro
de um cafuné

Me leva sem trégua
sem costume
descalço
sem a cor do negrume
da vida por lá

Só não me deixa sozinho
(a vida lá sei que é dura)
sem prosa
sem verso
e demora a passar

Sei do tal desencontro
do impulso
do excesso do gesto
da dor que a vida dá

Mas quero assim mesmo
o aperto do abraço
o laço
o acaso
que a gente se prendeu

segunda-feira, 9 de março de 2009

Menina, Amanhã de Manhã (o Sonho Voltou)

Tom Zé

Menina , amanhã de manhã
quando a gente acordar
quero te dizer que a felicidade vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens.

Na hora ninguém escapa
de baixo da cama ninguém se esconde
e a felicidade vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens vai
desabar sobre os homens.
Menina, ela mete medo
menina, ela fecha a roda
menina, não tem saída
de cima, de banda ou de lado.
Menina, olhe pra frente
menina, todo cuidado
não queira dormir no ponto
segure o jogo
atenção (de manhã)
Menina a felicidade
é cheia de graça
é cheia de lata
é cheia de praça
é cheia de traça.
Menina, a felicidade
é cheia de pano,
é cheia de pena
é cheia de sino
é cheia de sono.
Menina, a felicidade
é cheia de ano
é cheia de Eno
é cheia de hino
é cheia de ONU.
Menina, a felicidade
é cheia de an
é cheia de en
é cheia de in
é cheia de on.
Menina, a felicidade
é cheia de a
é cheia de e
é cheia de i
é cheia de o.

sábado, 7 de março de 2009

Tua pele mais profunda

Júlio Cortázar

"Cada memória apaixonada tem suas madalenas e a minha - é o perfume do tabaco claro que me devolve a tua noite espigada, à lufada da tua pele mais profunda.
Não o tabaco que se aspira, a fumaça que reveste as gargantas e sim aquela vaga equívoca fragância que o cachimbo deixa nos dedos e que em algum momento, em algum gesto despercebido, sobe com seu látego de delícias para encabritar a lembrança que tenho de ti, a sombra de tuas costas contra o branco velame dos lençóis. "

...

domingo, 1 de março de 2009

Tinindo trincando

Por Viveca Santana

Alguns passos ébrios pelo Rio Vermelho, as mãos passando pelas paredes ressacadas pelo sol, sons fora do tom, a voz dela não saía mais.
Já eram quase 4h da manhã e ela incansável continuava, andando com seu All Star surrado de tempo, tropeçando nos próprios passos e olhando tudo em volta.
Para ela era tão bom viver intensamente assim, sem a tonalidade das vozes, fora do ar por instantes, sons , toques que tomavam o corpo todo.
Não lembrava o que tinha que fazer amanhã - certamente acordaria de ressaca, andaria atrás de um copo d´água e um comprimido, derrubando tudo e voltaria para cama.
Alguém veio falar com ela, tocou seu ombro (não queria que a vissem naquele estado, baixou o rosto). Não teve vontade de responder, a viagem estava ótima sem falar, sem a realidade que aquela quantidade de coisas exigia, um monte de espaços que ela estava pulando e que ninguém entenderia.
-Quem era mesmo ? perguntou a si mesma.
Viu que não tinha que se misturar.
Não conseguiu traduzir uma linha do que pensava, as frases surgiram descompassadas e ela sabia que não percebiam o que queria dizer.
Envergonhou-se.
Que a deixassem só de novo.
Calou mais uma vez, franziu a testa, acendeu o último cigarro da carteira, pediu mais uma cerveja e continuou a olhar pro mar.
Não se sentiu nem um pouco decadente, era bom sobreviver ali : barquinho lá longe, gente lá longe, um menino perdido na noite com um catavento nas mãos, longe, longe.
Tudo tinha uma graça particular que a rotina jogava fora.
O mundo podia acabar que ela não tinha mais nada a dizer.