sábado, 14 de fevereiro de 2009

Final de semana em Salvador


[Ando em círculos
Paro em círculos
Espero em círculos_ ]

[Fumo em círculos
Solto fumaça _ ]

[A porta continua fechada_ ]

Natimorto, Lourenço Mutarelli.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Conto desnecessário

Por Viveca Santana

Saíram os três naquele carro prateado, música alta para entorpecer, Sílvia com seu rosto tranqüilo de mulher moderna-amadurecida, Paulo com seu olhar crítico nos passantes da rua, (meio criador de cordel, meio personagem sertanejo), Aracy com olhar perdido, os dedos recebendo o vento da noite, corpo quase pra fora do carro, avessa ao que pudesse ocorrer.

Sílvia só queria amar, o amor que vinha daqui há dias, pensava na garrafa de champanhe que queria comprar, nos dotes que daria, nos olhares que receberia, no amor puro vindo de longe. Adorava sentir o cheiro de fotossíntese que as plantas faziam no fim de tarde.

Paulo era dado a discussões rápidas. Semântica, linguística, fonética, tudo se tornava miúdos e papos intensos, com direito a percepções etílicas e tapinhas nas costas.
Era um rapaz que levantava dúvidas e gargalhava sempre, queria criar a polêmica. Simples, mas complexo nos assuntos cabíveis, peleador nato das conversas filosóficas.

Aracy só queria receber o vento nos dedos. Tentava pegar parte dele e nunca conseguia. Gostava de luzes na sua retina, do gosto seco que a cerveja deixava nos lábios, a falta de lucidez e a possibilidade de enxergar tudo com as digitais catando o vento teimoso.

...
Continuaram os três pela cidade, amando, complexando de maneira simples a vida e tocando a brisa. Seguiram na noite de sábado, amigos, com suas minúcias e sem mais nada pra contar.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Uma história de borboletas

"É assim mesmo - eu disse. - O mundo fora da minha cabeça tem janelas, telhados, nuvens, e aqueles bichos brancos lá embaixo. Sobre eles, não te detenhas demasiado, pois correrás o risco de transpassá-los com o olhar ou ver neles o que eles próprios não vêem, e isso seria tão perigoso para ti quanto para mim violar sepulcros seculares, mas, sendo uma borboleta, não será muito difícil evitá-los: bastará esvoaçar sobre as cabeças, nunca pousar nelas, pois correrás o risco de ser novamente envolvida pelos cabelos e reabsorvida pelos cérebros pantanosos e, se isso for inevitável, por descuido ou aventura, não deverás te torturar demasiado, de nada adiantaria, procura acalmar-te e deslizar para dentro dos tais cérebros o mais suavemente possível, para não seres triturada pelas arestas dos pensamentos, e tudo é natural, basta não teres medos excessivos - trata-se apenas de preservar o azul das tuas asas."
Caio Fernando Abreu.